Série estará disponível na Globoplay dia 08 de Abril
![Se Eu Fechar os Olhos Agora se desenvolve em mistério e suspense](https://cdn.ome.lt/v_1h_QeKxmNZ88dSe3mhF3lXYqc=/987x0/smart/uploads/conteudo/fotos/se_eu_fechar_os_olhos_agora_2.jpg)
Henrique Haddefinir/omelete/28.03.2019
A primeira frase do livro de Edney Silvestre e a primeira frase do roteiro de Ricardo Linhares tem uma coisa em comum: elas falam de memória, de uma memória sinestésica, daquelas que vem com cheiro, com gosto, com arrepio. As duas frases também formam o título do livro: Se eu fechar os olhos agora. A obra do jornalista (a primeira de sua faceta literária) já tem 10 anos e a obra do roteirista já está pronta desde o primeiro semestre de 2018. Por trás dessa história há o cuidado com a forma como essa transposição da imaginação para a ilustração será feita. Tudo sobre esse enredo é sensorial e a direção de Carlos Manga Jr. surge esmerada nesse propósito.
Se Eu Fechar Os Olhos Agora esteve disponível no Now desde o ano passado, mas por razões que tem a ver com estratégia de programação, foi adiada até agora. A sensação, contudo, não é de re-lançamento. O mercado do entretenimento está polarizado entre as redes de TV aberta/fechada e as plataformas de streaming, mas ficamos sempre com a impressão de que o que não está na Globo, no Netflix ou nos canais fechados, não “estreou” de verdade. Talvez por isso o lançamento realizado oficialmente no último dia 26 de Março tenha tido toda a pompa e circunstância de um produto que acabou de nascer. O próprio Carlos Manga Jr., após a exibição do primeiro episódio, garantiu que a versão que será disponibilizada para os espectadores da Globoplay e da TV Globo terá pequenas diferenças técnicas na luz e nas colorações. É como se pronta mesmo, para valer, ela só fique quando for para o ar.
Já faz algum tempo que a Globo tem investido numa linguagem seriada para suas produções da faixa das 23 horas. Faz sentido, então, que Se Eu Fechar Os Olhos Agora tenha sido escolhida como um dos títulos da nova programação do ano, uma vez que sua dramaturgia tem influências de um gênero que domina boa parte das listas de programação mundial: o mistério. As séries que começam com crimes que precisam ser desvendados são muitas, passam pelas norte-americanas Damages e How To Get Away With Murder e chegam até mesmo a títulos nacionais como a super-série Onde Nascem os Fortes e o filme Berenice Procura. As séries americanas optam por espetacularizar seus enredos e as nacionais – como essas citadas – preferem o minimalismo, a narrativa do “homem-comum”, o desvendar do criminoso mais do que o da vítima. E as vítimas tem em comum uma certa dose de marginalidade. Se Eu Fechar Os Olhos Agora não esconde essas influências e vai buscar seu diferencial num recorte que até então é incomparável: o infante.
De Olhos Bem Abertos
Se formos continuar tentando investigar as referências da minissérie ela tem mais flertes com Twin Peaks, de David Lynch, em que a morte de uma mulher numa cidade pacata e aparentemente convencional, acorda uma série de peculiaridades e estranhezas que são desmascaradas no decorrer das investigações. Entretanto, Edney Silvestre foi atrás de uma identidade regional, um resgate de referências pessoais que se traduz de uma forma original: temos em foco aqui a perspectiva de dois meninos, iguais nos impulsos e diferentes na trajetória. Um nasceu branco, privilegiado, cercado de apoio. O outro nasceu negro, maldito, desajustado num mundo que espera sempre o pior dele. Os dois encontram Anita (esse nome, novamente, ligado a uma ideia sexualizada e misteriosa da mulher) morta numa cachoeira e a suspeita que cai sobre eles os leva a uma busca pela verdade.
O primeiro episódio tenta respeitar o ritmo do trailer que foi divulgado logo após o evento: é um ritmo intenso, recortado, que procura valorizar o clima de suspense que se instaura assim que os meninos são presos. A pressa do delegado vivido por Antonio Grassi em culpar os meninos flerta com a inverossimilhança, mas é como se fosse o primeiro dos comportamentos estranhos que se instauram na cidade quando a notícia do crime se espalha. O roteiro se apressa em estabelecer que o véu de hipocrisias anunciado já nos primeiros diálogos (o prefeito vivido por Murilo Benício chega a usar a frase “bela, recatada e do lar” em uma das cenas) está frágil. Não é só uma questão de não estar falando a verdade, mas de não estar sendo verdadeiro. A primeira-dama de Debora Falabella, a ex-miss de Mariana Ximenes, o assustador padre de Jonas Bloch… Todos estão usando uma segunda pele e a que está por baixo é feia, cheira mal, é mofada, o que se correlaciona perfeitamente com o filtro levemente esverdeado que se imprime em todas as cenas. Aquela cidade é tomada de musgo.
Os meninos vividos por Xande Valois e João Gabriel D’Aleluia não têm muito tempo de serem crianças e os atores logo precisam viver o peso de uma morte que lhes foi creditada e que começa a resultar em outras. Eles são essenciais para tirar a produção do lugar-comum, para que ela não seja só mais uma série de mistério e imprima uma identidade. Várias das minisséries que estiveram no ar nos últimos anos tinham uma execução técnica perfeita, uma boa ideia e uma quebra de ritmo que prejudicava o produto final. A TV brasileira passa por um momento de muito boas intenções, mas com dramaturgias que tem sido reféns de uma linguagem visual. E o texto, a palavra, a história, não podem ser coadjuvantes de uma bela fotografia.
Se Eu Fechar Os Olhos Agora (que chega na TV aberta dia 15 de Abril) tem muito potencial para ser tudo aquilo que sua concepção promete, uma história sobre toda a verdade que está disfarçada em vidas de mentira.